Fotografia artística
NÃO QUERO FALAR
Não! Hoje não quero falar.
Para não pecar com palavras
e não voarem com o vento.
Mesclarem-se sílabas no ar
e regressarem anoréxicas,
descarnadas até aos ossos.
Tornarem-se fonemas escritos
com o sangue de tribos ancestrais,
miscigenados pelo tempo,
em verbos que deixam de ter nexo
em pronomes que deixam de ter sexo.
Não! Hoje quero a voz muda.
Não quero rasgar o silêncio,
quero ocupar as horas vagas
com a viva solidez de calar.
Mar Yela
Nasceu em Lisboa em 1964. Iniciou-se na fotografia num Curso de Fotografia e Revelação na Escola Sagrado Coração de Jesús em Trujillo (Cáceres) Espanha em 1981. Filha de artistas plásticos e vivendo num meio artístico desde muito cedo aprendeu a olhar para o mundo da estética e da delicadeza.
"Fotografar é a arte de captar belos momentos, a paixão de eternizar instantes que não voltam a repetir-se. Quase como um 'sonho' que o artista revela a quem queira fazer dele o seu sonho..."
Onde estás
(sonho meu)
porque de mim te escondes?
Se a mim pertences
afecto, como eu te procuro,
(algures)
em algum lugar do meu corpo
em algum vão da minha alma.
Acredita como eu sinto
o pranto acre das tuas lágrimas
a corroerem as minhas entranhas,
o lento gotejar do teu sangue
(de fúria escarlate)
que consome o meu coração.
Mas, se de mim te escondes
dentro de mim tu vives
e mesmo silenciando o teu grito
pressinto o teu anelo.
Eu também choro
e clamo por tí, amor meu.
Fala-me do teu tormento
(do meu),
e lembra-te:
só de mim tu nasces,
só em mim tu cresces.
Onde estás
(sonho meu)
porque de mim te escondes
se só quero libertar as nossas mágoas?
Marina Yela
28 Junho de 2011
FINALMENTE SILÊNCIO
Encontro finalmente
o livro mais distinto,
o manuscrito secreto.
Leio página a página
à procura duma resposta.
Apetece-me desfolha-lo
como quem descamisa o milho
e tenta desencobrir a espiga,
de fora para dentro.
As folhas
foram ficando despidas
meio gastas pelo tempo.
Elas caem desordenadas
e desabam aos meus pés
sem o melhor fundamento.
Chego finalmente,
à espiga do livro
que ficou desfiado no quase nada.
Da única folha que seguro na mão,
consigo ler o silêncio,
das outras… mal enfeitadas no chão,
parecem-me longas mortalhas
a embrulharem as memórias.
São as lembranças do passado
que negam findar as estórias
na hora da sua morte.
Marina Yela
28 Julho 2012
UM PORTO DE ABRIGO
Aqui estou
eu,
sozinho,
abandonado,
passeando entre as ruas da perdição
maculando entre as teias da poluição,
prescrito deste mundo
que me levou ao abandono.
Aqui estou eu
neste ermo,
onde a realidade
não se une à humanidade.
Gasto, consumido
ao abrigo de ninguém
prostrado neste sófrego nada,
encarcerado a esta cela
que me obriga a esta condena.
Porém,
aqui continuo
entediado,
e lento caminho pelos muros deste vão
num limbo sombrio
que ignora a diferença.
Mas se existe um espaço
entre o inferno e o céu
onde estou eu?
Em que bóia eu amarro
em que fundo eu ancoro
este meu ínfimo bote
se não encontro um porto de abrigo
que me adopte?
Marina Yela
28 Março 2012
A ÚLTIMA PÁGINA DO LIVRO
Vou virando
e volto a virar
as páginas deste livro.
Devagar,
sem querer apressar.
Não leio,
ou esqueço ler as palavras
que ficam emparedadas
nas folhas da mentira
e da ilusão fingida.
Deixam-se ficar brancas
- amareladas como o papel -
empalidecem com o tempo
como a caligrafia
que, usando do tédio,
enche-se de garatujas;
como o velho bordel
que nega trocar de velhas ninfas.
Viro a última página,
vejo escrito o teu nome
- em letra pequena –
pálido, distante,
no último parágrafo,
completado por um ponto.
Redondo, cheio
negro,
talvez um ponto final,
daqueles que o escritor
nunca quer desejar.
Ou será o leitor
que quer
(ou não quer).
Depende,
pode estar aborrecido pelas máculas,
pelas nódoas impressas
que modela a idade,
pelas lágrimas de humidade
que segregam cheiros a mofo e a bafio,
pois o livro
ficou esquecido
- e ficará – eternamente no silêncio.
Marina Yela
20 de Outubro de 2011
ENQUANTO HÁ VIDA...
Enquanto há vida…
não há morte
mas sorte,
de quem a alcança.
Enquanto há vida…
não há fingir
mas sentir,
de quem espera.
Cinja a humanidade
com os seus braços,
beije a humildade
que a vida cresce
que o vigor, enche
e invade
os mais ínfimos espaços.
E nós,
lentamente embriagados
pelo seu nutrido sumo,
adormecemos a morte
no seu próprio leito
e suplicamos
para nunca mais cessar
nem nunca negar
este encanto,
o eterno enquanto
de sempre ser e haver vida.
Marina Yela
7 Janeiro 2012
AQUI ESTOU EU…
Seduzida,
simuladamente perdida,
junto ao negro mar
com este meu olhar
lânguido, imperfeito.
Aqui estou eu… lado a lado,
repouso junto a ele
e obrigo-me a ele.
Espio o seu lento negrume
que o vil acontecer da noite
agora me impõe.
Vigio cada passo andado
pois ele oculta o seu segredo.
Ergue-se à minha frente
(cada vez mais)
distante,
magnânimo,
impregnado de escuridão.
Ouço o seu gemer
o seu bramido exclamado.
Vou sentindo-lhe a vida
a limpidez da sua essência,
o duelo entre a fúria
e a paixão desmedida;
a apetecida liberdade
de quem tem vida
de quem vive e não dorme.
Aqui estou eu… inanimada
pusilânime pelo frio
neste imenso mar de areia,
suspensa neste ermo
que me deixa mal cativa,
a tentar emergir
sem arriscar o nada
e a desejar o tudo,
sem vontade de dormir
sem capricho de existir.
Marina Yela
7 Outubro de 2011
PARA VER O TEU SORRISO
Para ver o teu sorriso
de novo,
eu te daria
meu mundo
meu sonho.
Te daria
o sol, a chuva
e o vento
para deixares viver o tempo.
Te daria
o amanhecer e o anoitecer,
a noite e o dia,
a luz e a sombra
para embalares o teu sono.
Te daria o arco-íris
para pintares com sete cores
a escuridão do teu quarto.
Te daria a água
para regares a seiva da vida
e beberes da fonte.
Assim crescerá a árvore
para poderes usar a brisa
e com as suas folhas
compores belas melodias.
E se as palavras te estorvam,
nada fales,
nada digas,
chega-me o olhar no teu rostro
ver o teu sorriso.
Pois eu só conto e reconto
sem nenhuma ilusão
os dedos de uma só mão;
estes lábios evitados,
estes anos esquecidos
sem rever o teu sorriso.
Marina Yela
21 de Setembro 2011
DOCE DESPERTAR
Radiante quem ama
e quem sente ser amado.
Cedo, muito cedo
- quase ainda noite -
no alvor da manhã,
ao sair do sono
por amor a mim acerca-se.
Abro a minha mão docemente
e vou acariciando a sua cabeça
enquanto beija com os seus lábios
a pele nua dos meus braços.
Ajustam-se os nossos corpos
até atingirmos o requebro,
até atingirmos o domínio.
E fitando-me com os seus olhos verdes
- mais verdes do que os meus –
não diz palavra;
só um miar perguiçoso
e um fechar de olhos, de gata,
de brando animal felino.
A ronronar adormece
num sono profundo
e eu… Ainda ensonada,
adormeço serenamente
a ela enroscada.
Marina Yela
26 Setembro 2011
QUE FAÇO POR TI
Que faço eu à criança
que confiante emergiu de mim.
Se o capricho fez renascer a primavera,
pintou-a colorida como o doce chapim,
pois enquanto beijava as flores do jardim
ela brincava, pulava e dançava.
Mas inocente, quis cedo compor a melodia.
Depois, perdida no vazio a menina só chora
e as lágrimas começaram a escurecer
a brilhante luz do sol da aurora.
E assim sentiu a infância esmorecer.
Desolada, vê no seu rosto de mulher
a boca que implorando pelo afecto
ficou envelhecida pelo abandono.
Que faço por ti criança
pois de mim queres partir agora.
Marina Yela
29 de Dezembro de 2009
© 2011 Todos os direitos reservados.